segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Lições do endividamento latino americano nos anos 80

Lembro como se fosse hoje do drama, do desemprego crescente combinado com inflação elevada, as reformas políticas, a desesperança associada ao elevado endividamento externo da Economia Brasileira. À época, discutíamos o tamanho do Estado, a necessidade de reformas, os acordos com o FMI e impunhamos ajustes recessivos com a finalidade de honrar compromissos externos. Em um piscar de olhos, nos voltamos contra o projeto de industrialização substitutivo de importações e abraçamos, dando boas vindas, as reformas de mercado. Hoje, olho para trás sem saudades. E, de tudo que passamos e fizemos, extraio apenas aquilo que acho que devem ser lições para o presente:
1. Não deveríamos jogar o bebê com a água do banho. Um projeto nacional de industrialização e fomento à atividade produtiva devem e são bem vindos quando seguem uma realidade de mercado e atendem a interesses coletivos (não lobbistas);
2. O mercado possui forças poderosas que devemos respeitar e usar a nosso favor. Excessos fiscais criam riscos e custos desnecessários. Criar regras para o Estado e suas Instituições criam caminhos sólidos na direção do crescimento;
3. Em tempos normais, manter o controle fiscal e monetário permitem agir discricionariamente em períodos de crise;
4. Que medidas de austeridade são necessárias para reestabelecer o equilíbrio;
5. Que apenas medidas de austeridade são insuficientes e devem ser acompanhadas de medidas de estímulo sempre que possível (como o acordo Brady para a dívida externa);
6. Que a contabilidade criativa é superada sempre pelos fundamentos macroeconômicos.

sábado, 24 de setembro de 2011

Um pouco de história sobre moedas : lições do bimetalismo

Costumo, para simplificar, iniciar a explicação sobre moeda metálica e representativa afirmando que o ouro era o metal mais utilizado por seu valor. Contudo, seu valor elevado fazia com que mesmo uma moeda muito pequena pudesse ser trocada por imensa quantidade de mercadoria. Desta forma, durante anos as sociedades e países se organizaram utilizando moedas cunhadas em prata. Estas possuíam a vantagem de ser de menor valor e podiam ser trocadas por moedas de ouro na proporção aproximada de 15,5 onças de prata por 1 onça de ouro. Mas, cada país Europeu, por exemplo, cunhava suas moedas com quantidades e purezas diferentes de prata. Além disso, mudanças na oferta dos metais alterava seu valor estimulando a arbitragem entre mercados. Imagine que essa mudança significasse poder trocar 1 onça de ouro por 16,5 onças de prata (um aumento no valor do ouro provocado por sua escassez relativa) em um país X enquanto no país Y prevalecesse a troca de 15,5 onças de prata por uma de ouro. Mesmo considerando custos de transporte, haveria estímulos para realizar a troca de 15,5 onças de prata por onças de ouro no país Y e levar o ouro para o país X e trocar por mais prata. Desta forma, a saída de prata do país Y elevaria seu valor, enquanto a entrada de prata no país X reduziria seu valor.


Diferentes relações de cunhagem estimulavam movimentos de arbitragem. Para Eichengreen, “ em vista da dificuldade de operacionalizar o padrão bimetálico, sua persistência na segunda metade do século XIX causa perplexidade”. Mas fatores técnicos como a ausência de máquinas a vapor que impediam a cunhagem de uma moeda padronizada e representativa e fatores políticos associado ao interesse dos mineiros que exerciam pressões pela continuidade do uso da moeda de prata além da facilidade de manter um padrão monetário comum que facilitava empréstimos externos, explicam por que durante muito tempo o padrão bimetálico foi mantido. Nas palavras do mesmo autor, “ as desvantagens do sistema vigente tinham de ser acentuadas antes que houvesse um incentivo para abandoná-lo”. E, ainda, “foram necessários abalos que estilhaçassem a solidariedade do bloco de países praticantes do bimetalismo para que aquele incentivo deixasse de prevalecer”.

Em 1865 uma Conferência Internacional reunia os países afetados formando a União Monetária Latina (pasmem, por Latinos entenda-se Bélgica, França, Itália e Suíça com posterior adesão da Grécia) e padronizando a cunhagem de suas moedas evitando os movimentos de arbitragem. Vários encontros se seguiram buscando soluções conjuntas e resultaram no que conhecemos como Padrão Ouro. Interessante sobre o momento anterior é notar que a Grã-Bretanha, mesmo convidada a participar da adoção de um padrão comum de cunhagem não aceitou reproduzindo o mesmo comportamento ao ser convidada a participar da zona do Euro. Ainda, a Alemanha desempenhava já àquela época papel decisivo.

Que lições podemos tirar deste momento da história? Um que padrões monetários não são eternos, dois que poderosos interesses dificultam a transição, três que dificuldades técnicas também representam empecilhos consideráveis, quatro que é necessário coordenar a transição e acomodar interesses em Conferências como a de 1865 ou a de Bretton Woods e que hoje podem constituir a pauta do G20, quinto que somente o tempo, o aprofundamendo da crise, e as crescentes desvantagens associadas a um padrão monetário movimentam os atores econômicos a buscar soluções.

No caso do Euro, penso que a deterioração das condições políticas na Grécia resultantes do alto custo do ajuste imposto à população faz crescer o estimulo a uma saída da Grécia da zona do Euro.

Por outro lado, penso que o atual padrão monetário internacional (que utiliza como moeda de troca o dólar americano, como reserva para transferências entre gerações os títulos americanos, como referência para cálculo de juros e remunerações de diferentes títulos privados e públicos as taxas de juros praticadas pelo Fed, e um sistema de taxas flutuantes com ausência de coordenação nas políticas monetárias nacionais) apesar das dificuldades já constatadas, precisará de um aprofundamento das desvantagens existentes para gerar estímulos para a criação de um novo arranjo monetário, parodiando Eichengreen.


Recomendo a leitura de Barry Eichengreen, A Globalização do Capital - Uma História do Sistema Monetário Internacional, Editora 34.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Nova zona do Euro?

Após muitas tentativas paliativas para conter a crise atual se aproxima o momento de enfrentamento definitivo da situação em que se encontram os países da Zona do Euro.


Vejo dois caminhos possíveis. O primeiro é a efetiva integração das nações européias constituindo uma federação com emissão conjunta de Eurobônus barateando o custo do financiamento para países com elevado grau de endividamento. O segundo percebe a iminência da saída da Grécia, seguida possivelmente por outros países da zona do Euro.

Dificilmente Alemanha concordará com a primeira opção por razões simples. A elevação do custo de financiamento equivale a um aumento tributário reduzindo o poder aquisitivo dos cidadãos deste país em troca de ganhos dúbios. A presença de países como Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália enfraquecem o Euro tanto quanto o fortalecem. Explico. A possibilidade de uso da moeda Euro em diversas nações, a comum aceitação entre elas, fortalece a moeda. No entanto, a fragilidade financeira e produtiva destes países tem contribuído fortemente para um enfraquecimento do Euro. A Alemanha permanece competitiva com bons resultados no Balanço de Pagamentos, controle de preços e emprego. Portanto, os ganhos da manutenção da atual configuração da Zona do Euro são pequenos.

A segunda opção, embora não resolva o problema para os PIIGS, ameniza os custos do ajuste e são politicamente mais palatáveis para as economias endividadas. Sair da zona do Euro permite o uso de instrumentos monetários e cambiais no sentido de aumentar a competitividade e recuperar exportações, atividade produtiva e emprego. Uma desvalorização cambial da moeda local permite os resultados acima, mas encarece os custos em moeda local de pagamento da dívida contraída em Euro. Mas, as perspectivas de recuperação da capacidade de exportar indicam a possibilidade de manutenção do nível de atividade e de arrecadação diminuindo expectativas de default para países como Portugal, Espanha, Irlanda e Itália. Não incluo a Grécia, pois entendo que nem mesmo a possibilidade de forte desvalorização monetária permitirá o pagamento da dívida. A Grécia caminha a passos rápidos para um default.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Yakissoba

Vou colocar em sequência fatos históricos com a intenção de "forçar" uma relação entre eles:
Perda de dinamismo da economia americana; desvalorização do dólar; reação do Banco Central Japonês; Crise no Japão; reação do Banco Central Alemão; Fortalecimento da Comunidade Européia; Criação de uma moeda única para o que chamamos Zona do Euro; Uso de uma moeda nacional como moeda de reserva; Crescente Necessidade de Financiamento do Balanço de Pagamentos Americano; Crescente Necessidade de Financiamento das Contas do Governo Americano; Financeirização; Crise Asiática, Crise no México, Crise Russa, Crise Brasileira, Crise Argentina, Crise do Subprime; Políticas Fiscais e Monetárias Expansionistas; Exposição e Contágio Bancário; Mecanismos de transmissão monetário/financeiro sobre a economia real; Maior risco, maior a taxa de juros; Portanto, mais caro o financiamento do consumo e da atividade produtiva; Maior risco, maior o racionamento de crédito; Portanto, mais difícil a obtençao de financiamento mesmo aceitando taxas mais elevadas; Opções ou alternativas de financiamento através da emissão de debentures ou açoes acompanham o aumento das taxas de juros, tornando cara e difícil a alternativa; Depreciaçao ou queda nos preços das garantias também dificultam o acesso ao mercado de crédito; Restrições ao uso de Políticas Nacionais Monetárias e Fiscais dadas pelo endividamento.
Resultado? Quanta dívida a China pode comprar com suas reservas internacionais? Qual o impacto de um resgate ou uma mudança na composiçao das reservas Chinesas de títulos da dívida americana para títulos da dívida Italiana, Portuguesa, Irlandesa, etc.? Qual o impacto de um default da Grécia?
Pois bem, essa é a receita do Yakissoba Business!


domingo, 11 de setembro de 2011

11 de setembro

A Teoria da Hegemonia Internacional (Hegemonic Stability Theory) sugere que o sistema internacional é mais estável quando um único Estado-Nação é ou possui um poder ou dominância mundial. Não é possível encontrar ou adjetivar uma nação com a palavra hegemonia quando esta perde a habilidade de garantir sua segurança geopolítica. Também estão associados à condição hegemônica o crescimento, o tamanho e a supremacia militar ou tecnológica. O poder de liderar, promover regras internacionais através da habilidade política sustenta-se no mútuo interesse ou apóia-se na força militar projetiva.


A hegemonia de uma Nação não depende apenas de sua vontade de liderar, mas de sua capacidade de demonstrar meios para fazê-lo. Desta forma, o ataque de 11 de setembro rompe com paradigmas de força, de poder militar, de segurança nacional e, conseqüentemente ameaça a idéia de hegemonia americana e a estabilidade das relações internacionais.

A necessidade de recuperar e manter este símbolo, entre outros fatores, explicam o início de ações militares como a Guerra do Iraque. A ampliação da necessidade de financiamento dos gastos públicos decorrente de gastos elevados com as ações militares implicou em elevação do grau de endividamento dos EUA com conseqüente desregulamentação financeira que permitiu o financiamento de déficits domésticos e externos crescentes.

O governo americano apresentava até o terceiro trimestre de 2001 resultados positivos de poupança líquida e de capacidade ou necessidade líquida de financiamento. Após esse período, observam-se resultados trimestrais negativos, no conceito corrente, indicando uma crescente necessidade de financiamento (fonte: www.bea.gov). Os dados mostram o agravamento da situação das contas públicas a partir de 2001, o esforço em recuperá-las e o agravamento após 2008.

Somou-se à necessidade de financiamento interno a necessidade de equilibrar as contas externas.

O desequilíbrio externo pode ser explicado em grande parte pelo crescente desequilíbrio comercial com a China. Com base neste diagnóstico iniciam-se pressões da diplomacia americana por uma valorização do Yuan ; lembrando que os EUA não possuem a possibilidade de alterar sua taxa de câmbio por ser emissor da moeda de reserva mundial. A desvalorização ou valorização do dólar depende da ausência de reação dos demais países.

Em julho de 2003, a China anunciava sua intenção em alterar a composição de suas reservas trocando parte de suas aplicações em ativos denominados em dólar para ativos denominados em euro. Em 2004, a China concretiza sua intenção alterando a composição de suas reservas.

A desvalorização do dólar e a ameaça subjacente de sucessivas alterações na composição das reservas chinesas resultaram em equivalentes alterações nas políticas de aplicação de reservas em diversos países. A queda na demanda por dólares resultante desta escolha acelerou a desvalorização do dólar.

Em resposta à desvalorização do dólar, a partir de 2004, podemos ver crescer as taxas de juros Americanas passando de um por cento para mais de cinco por cento. O rápido aumento das taxas de juros implicava em dificuldades crescentes de pagamento de dívida contraída pelo setor privado.

No segmento de hipotecas, o elevado custo de financiamento combinado com as especificidades desta modalidade elevou a inadimplência e resultou na crise de 2008. Ressalve-se que a crise, sua proporção e contágio devem-se à ausência de regulamentação e supervisão integrada do sistema financeiro.

Para socorrer as Instituições Financeiras o Federal Reserve ampliou as possibilidades de redesconto de liquidez e reduziu a taxa de juros. Como conseqüência a rentabilidade das aplicações em títulos americanos se reduziu. Na reunião do G20 de 2009 discutia-se a desvalorização do dólar, as práticas de desvalorização competitiva e a necessidade de criação de uma moeda de reserva supranacional.

Em resumo, as ações de reação e fortalecimento da hegemonia norte-americana implicaram em descontrole fiscal e condicionaram a condução da política monetária resultando em conflitos e crise.

Como mencionado antes, os gastos com as ações no Iraque e Afeganistão impuseram custos crescentes ao Estado Americano ampliando seu déficit e seu endividamento. A venda crescente de títulos da dívida exigia demanda crescente. Parte da demanda por estes ativos, considerados seguros, se encontrava na “indústria” de derivativos. Esta, por sua vez, se associa à crise de 2008 e seus desdobramentos.

O cenário atual é o resultado de escolhas insustentáveis de política fiscal relacionadas a problemas estruturais como produtividade e competitividade e a problemas conjunturais como a queda na arrecadação relacionada à queda na produção resultante da crise de 2008.

Países competem e utilizam medidas de política macroeconômica e microeconômica em apoio à suas atividades produtivas. Países cooperam e realizam parcerias através de acordos bi e multilaterais.

A atual situação mostra a necessidade de coordenação das Políticas Monetárias.

Mostra ainda os limites fiscais dados pelo crescente endividamento e os limites para ações particularizadas. O grau de contágio e a velocidade com que processamos as perdas e ganhos tanto quanto a grandiosidade dos fluxos financeiros mostra as limitações no uso de instrumentos tradicionais de política monetária, fiscal e cambial. Torna-se necessária a reestruturação da dívida mundial.

Assim, a cooperação para a reestruturação das dívidas e para a definição de equivalências cambiais é necessária para uma maior estabilidade política.

Acordos bilaterais ou regionais de comércio podem servir de estímulo ao comércio, à produção e ao emprego em detrimento dos instrumentos keynesianos de política econômica. No entanto, cooperar implica também em ceder. É a dificuldade nas negociações e na construção de uma agenda positiva para o comércio entre nações que justifica o uso de instrumentos de política monetária e fiscal.

O momento atual mostra os limites da globalização dados pelos limites geográficos que confinam poder e riqueza e que são conhecidos como Estado-Nação.

O crescente endividamento norte americano resultante em parte da perda de dinamismo desta economia e em parte da necessidade de financiar gastos crescentes pautou na última eleição norte americana a necessidade de uma mudança tributária. As propostas eram antagônicas entre os candidatos. Enquanto McCain propunha um aumento na carga tributária sobre as famílias, Obama propôs um aumento nos encargos sobre as Corporações e Fortunas. No discurso, McCain alertava para a dificuldade em ampliar o esforço tributário de Corporações já pouco competitivas, enquanto Obama apontava para a dificuldade em cobrar mais impostos em um país onde cresce a desigualdade. Portanto, a eleição de Obama responde à necessidade de financiamento crescente com um tom populista e ineficaz no sentido de corrigir o problema herdado.

Quanto à Crise do Euro, conforme mencionado anteriormente, as opções fiscais combinadas com a crise de 2008 e as reações de estimulo fiscal e monetário expuseram a fragilidade da união monetária entre países com profundas diferenças fiscais e produtivas.

Herdamos do 11 de setembro uma seqüência de eventos e decisões que redesenham a ordem econômica mundial e que, pela via financeira, desestrutura a organização produtiva nos espaços nacionais exigindo um esforço crescente de cooperação.