sábado, 24 de setembro de 2011

Um pouco de história sobre moedas : lições do bimetalismo

Costumo, para simplificar, iniciar a explicação sobre moeda metálica e representativa afirmando que o ouro era o metal mais utilizado por seu valor. Contudo, seu valor elevado fazia com que mesmo uma moeda muito pequena pudesse ser trocada por imensa quantidade de mercadoria. Desta forma, durante anos as sociedades e países se organizaram utilizando moedas cunhadas em prata. Estas possuíam a vantagem de ser de menor valor e podiam ser trocadas por moedas de ouro na proporção aproximada de 15,5 onças de prata por 1 onça de ouro. Mas, cada país Europeu, por exemplo, cunhava suas moedas com quantidades e purezas diferentes de prata. Além disso, mudanças na oferta dos metais alterava seu valor estimulando a arbitragem entre mercados. Imagine que essa mudança significasse poder trocar 1 onça de ouro por 16,5 onças de prata (um aumento no valor do ouro provocado por sua escassez relativa) em um país X enquanto no país Y prevalecesse a troca de 15,5 onças de prata por uma de ouro. Mesmo considerando custos de transporte, haveria estímulos para realizar a troca de 15,5 onças de prata por onças de ouro no país Y e levar o ouro para o país X e trocar por mais prata. Desta forma, a saída de prata do país Y elevaria seu valor, enquanto a entrada de prata no país X reduziria seu valor.


Diferentes relações de cunhagem estimulavam movimentos de arbitragem. Para Eichengreen, “ em vista da dificuldade de operacionalizar o padrão bimetálico, sua persistência na segunda metade do século XIX causa perplexidade”. Mas fatores técnicos como a ausência de máquinas a vapor que impediam a cunhagem de uma moeda padronizada e representativa e fatores políticos associado ao interesse dos mineiros que exerciam pressões pela continuidade do uso da moeda de prata além da facilidade de manter um padrão monetário comum que facilitava empréstimos externos, explicam por que durante muito tempo o padrão bimetálico foi mantido. Nas palavras do mesmo autor, “ as desvantagens do sistema vigente tinham de ser acentuadas antes que houvesse um incentivo para abandoná-lo”. E, ainda, “foram necessários abalos que estilhaçassem a solidariedade do bloco de países praticantes do bimetalismo para que aquele incentivo deixasse de prevalecer”.

Em 1865 uma Conferência Internacional reunia os países afetados formando a União Monetária Latina (pasmem, por Latinos entenda-se Bélgica, França, Itália e Suíça com posterior adesão da Grécia) e padronizando a cunhagem de suas moedas evitando os movimentos de arbitragem. Vários encontros se seguiram buscando soluções conjuntas e resultaram no que conhecemos como Padrão Ouro. Interessante sobre o momento anterior é notar que a Grã-Bretanha, mesmo convidada a participar da adoção de um padrão comum de cunhagem não aceitou reproduzindo o mesmo comportamento ao ser convidada a participar da zona do Euro. Ainda, a Alemanha desempenhava já àquela época papel decisivo.

Que lições podemos tirar deste momento da história? Um que padrões monetários não são eternos, dois que poderosos interesses dificultam a transição, três que dificuldades técnicas também representam empecilhos consideráveis, quatro que é necessário coordenar a transição e acomodar interesses em Conferências como a de 1865 ou a de Bretton Woods e que hoje podem constituir a pauta do G20, quinto que somente o tempo, o aprofundamendo da crise, e as crescentes desvantagens associadas a um padrão monetário movimentam os atores econômicos a buscar soluções.

No caso do Euro, penso que a deterioração das condições políticas na Grécia resultantes do alto custo do ajuste imposto à população faz crescer o estimulo a uma saída da Grécia da zona do Euro.

Por outro lado, penso que o atual padrão monetário internacional (que utiliza como moeda de troca o dólar americano, como reserva para transferências entre gerações os títulos americanos, como referência para cálculo de juros e remunerações de diferentes títulos privados e públicos as taxas de juros praticadas pelo Fed, e um sistema de taxas flutuantes com ausência de coordenação nas políticas monetárias nacionais) apesar das dificuldades já constatadas, precisará de um aprofundamento das desvantagens existentes para gerar estímulos para a criação de um novo arranjo monetário, parodiando Eichengreen.


Recomendo a leitura de Barry Eichengreen, A Globalização do Capital - Uma História do Sistema Monetário Internacional, Editora 34.

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